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POESIA E POEMA

CASSIANO RICARDO (1895-1974)*


[Extraído de: TELES,  Gilberto Mendonça, Organização, Introdução e Notas.  Defesa da Poesia II – Do Romantismo ao Século XX. Brasília, 2019.  (Edições do Senado Federal – Vol. 262).  P. 377-380.


*“Excelente os seus estudos sobre a poesia, como Reflexões sobre poética de vanguarda, de 1964.” GILBERTO MENDONÇA TELES

 

         A CONFUSÃO NÃO PÁRA POR AÍ, CONTUDO; está também em se dar poesia como sinônimo de poema, como se verifica, até rudimentarmente, ao se chamar “livro de poesias” a um volume de poemas, ou “poesias completas”. No singular (poesia) talvez ainda se pudesse usar da palavra para identifica uma obra poética; não no plural (poesias) como se faz a todo instante.

        Verdade que o autor de um livro de supostos poemas (supostos, veja-se bem, poderá atribuir-lhe poesia, sem que ela exista. Mas não há poema sem poesia, a não ser que se trate de um “ocopoema” (como diria José Guilherme Merquior), nem haverá poema que contenha exclusivamente poesia, como queria Mallarmé.

        Pode-se ir mais longe: se só existisse poesia, ela mesma deixaria de ser poesia: “If you aim Only at poetry in poetry is no poetry eitther.”

De modo que um mínimo de exatidão na terminologia do poema se me afigura indispensável para que haja, ao menos, um certo ponto de apoio em torno das graves questões que o ofício hoje suscita.[...]

                                Definições de Poesia

        E aqui convém lembra que cada pensador, poeta ou crítico, dá à poesia uma definição diferente, pensando que a define ou definindo-a a seu modo.

        “Suprema forma de beleza”, diz Mallarmé. “Emoção recolhida tranquilamente”, diz Wordsworth “Estilização da linguagem pela emoção”, diz René Waltz. “Arrangement cinétique de syllabes statiques”, diz Carl Sandburgs.

        Para Schopenhauer, “a arte de estimular o poder da imaginação através das palavras.”

        Para Supervielle a poesia “est um rêve”; para Cocteau “le poète ne rêvee pas; il compte”. Que adianta Léon-Paul Fargue procurar uma definição de poesia? Cada vez que ele o faz, julgando tê-la encontrado: “c´est la bonne”, que acontece? “Elle s´tait déjà volatilisée.”

        Se cada um lhe dá, pois, uma definição diferente (e são inúmeras) é porque a poesia não se define. Já o poema é suscetível de definição, a rigor. Graças aos elementos que o constituem e ao labor que caracteriza o ofício.

        Então já aí está uma perfeita distinção entre poesia e poema: define-se o poema, não se define a poesia.

        Pouco importa, contudo, definir, o que seja poesia. O que importa, literariamente, é que ela encontra o seu núcleo no poema feito e trabalhado precisamente para consegui-la. Ela é indefinível, porém definidora. Lida-se com ela sem saber o que ela é — talvez o dom demoníaco de que fala Goethe, insuscetível de análise. Mas sabemos que ela existe e a captamos e medimos, seguramente, com uma técnica própria.

        Será, ou não, um mistério. Ora, o mistério, conquanto absurdo, “significa, para Husserl, a racionalidade da própria condição humana; cabe-lhe uma função, na estrutura da existência”. [...]

                                   Defesa do Poema


A necessidade do poema como poema, pois, não consiste apenas em sua “ipseïté”, na luta contar ao verso e a prosa de qualquer tipo.
Impõe, também, a sua defesa sob outros aspectos, pertinentes
estes ao clima cultural de nossa época.

        Por cinco razões principais:

        1º.) porque, num momento em que (por ex.) o artista plástico “give maximum lyrismo to design and color” não pode o poeta deixar de reinvidicar para si o que é seu;

        2º.) porque o astronáutica, hoje ultrapassando o sensível e o imaginável, invadiu o “komitcheshoie prostanstvo”, isto é, criou uma espécie de “teórico poético absoluto” (ou, pelo menos, o espaço poético absoluto) e o poeta não pode, por desajustamento (out off-ness) ficar alheio a esse problema sob pena de transferir à Ciência o domínio da Poesia;

         3º.) porque, como é sabido, a revolução moderna, o repúdio às velhas fórmulas da arte, levou muito poeta a experiências que descambam pra um terreno extralinguístico; vale dizer, muito poeta não se limita à incorporação da “espacialidade” ao poema; antes, parece ter querido demitir-se do seu ofício, adotando soluções plástico-mecânicas, ou geométrico-matemáticas, extralinguísticas, em que o poema passa a ser outra coisa, e não mais poema;

          4º.) A própria técnica industrial invadiu o domínio da poesia, e o exemplo mais comum dessa invasão está no anúncio, que Max Bense reconhece como capaz de produzir emoção (estética) citando Blaise Cendrars (la publicite Touche à la poésie) que exaltou o lirismo dos anúncios de Cassandre.

          Neste último caso, o perigo, em relação à experiência visual, está em o anúncio tornar-se superior ao poema, pelos motivos que me permiti lembrar na nota nO. 11l) do 22 e a Poesia de Hoje.

          5º.) A Cibernética, a máquina pensante, o “automático” que confina com o “mágico” no insciente popular poético; o cinema quando confina com o poema.

          Nunca se fez, portanto, tão necessária uma tomada de consciência poética, de responsabilidade poética, de um compromisso do poeta para com o poema, senão para consigo mesmo, como homem, que associa o destino da poesia ao destino do homem.

         Não se trata de “salvar” a poesia; trata-se de reivindicar a poesia para o poema, em assunto de arte, e dentro da linguagem que lhe é própria e intransferível, “par droit de naissance”.

         Pergunta Herbert Read: como encontrar o meio do poeta conciliar o seu mundo com a arte? Como exercer sua função de explorador e educador da sensibilidade humana?

         Como retomar o papel de “ballad-maker”?

         Já não se tratará desses problemas mas de o poeta reivindicar o que é seu, prioritariamente: o poema como forma de poesia. Além disso, cabe aqui um advertência, que não me parece descabida. Lembre-se que o romantismo do século XVIII, como o registra Whitehead (direi como inimigo do poema pelo poema) não foi senão uma reação exacerbada contra as ideias científicas, então reinantes. Os poetas encaravam o mundo como uma máquina. As peças geométricas de Racine correspondiam (Edmund Wilson) aos teoremas dos físicos...

           Resultado, a resposta romântica, sem peias, rédea solta ao sentimentalismo, ao impudor das lágrimas. Não acontecerá agora o mesmo fenômeno contra o cientificismo e o mecanicismo, muito mais acentuados no século XX?

           Não poderá o objeto industrial a que se deseja reduzir o poema, em dias próximos, ser substituído, de novo, pelo ”pote de melado” de um novo romantismo reacionário?

          A pergunta me parece pertinente; para que se evite a volta ao Romantismo — digo ao romantismo dissolvente, inimigo do poema.

                                         ***

[Registre-se aqui os nosso agradecimentos ao notável Gilberto Mendonça Teles por nos revelar este texto!!!]

                                         XXXX

 

 

 

 
 
 
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